O Primeiro Contra Mare

Este é o primeiro blog da minha autoria www.fotolog.terra.com.br/contramare, o qual perdi o acesso. Atualmente estou em novo endereço:www.contramare2.blogspot.com

29 abril 2005

Uma Onda Contra a Maré

15/03/2005 14:39

Fim de uma segunda-feira. Em pé, após entrar na estação Sé de Metrô, ouço o som de um violão dando os acordes inconfundíveis de um dos sucessos de Legião Urbana. Uma voz rouca entoa: “Todos os dias, antes de dormir, lembro e esqueço como foi o dia... Sempre em frente...”. Peço licença a outras faces cansadas em busca da natureza deste som.

Eis que encontro um jovem trajando calças e camiseta largas. Sandália no pé, cabelos longos e enrolados amarrados displicentemente. O violão nos braços o impede de segurar nas barras do vagão. O jeito é tocar enquanto se equilibra entre alguns passos contrários às brecadas do metrô.

Os olhares ao redor são desconfiados. “O que leva um cara a fazer isso?”, me pergunto, mesmo gostando da novidade. O intuito de me entregar ao prazer individual da leitura durante os trinta minutos de viagem são trocados por um momento compartilhado de alegria.

O metrô pára. O intérprete de Renato Russo pausa para desejar: “Boa Noite para os que vão, boa noite para os que ficam”. Retorna com uma música que dialoga com a noite quente e chuvosa. “Moro, em um país tropical, abençoado por Deus...”
Estação Paraíso. Mais pessoas no vagão. O cantor se explica: “Desculpa aos incomodados, obrigado aos que estão gostando. Vim aqui tocar violão em troca de uma colaboração. Enquanto minha mulher trabalha fichada, eu, avesso a isso e desempregado, preciso arrumar um jeito de ajudar em casa, senão ela me bota pra fora”.

Tantos ouvidos, obrigados diariamente a ouvir pedidos de ‘colaborações’, parecem gostar da proposta. Um coro baixo, meio tímido, junta-se ao do cantor. Sorrisos dialogam entre os que antes nem um olhar haviam trocado. Trocados chegam até o cantor, que enche os bolsos de alegria.

Eis que um rapaz pede: “Canta uma do Raul”. Entusiasmado, ele corresponde: “Esta é uma das que eu mais gosto: ôô seu moço do disco voador, me leve com você, pra onde você for...”. Após a cantoria, solicita: “Uma salva de palmas para a minha cara de pau”. É correspondido com entusiasmo.

Enquanto nos aproximávamos da última estação, comecei a refletir sobre aquele momento que nunca mais sairia da minha cabeça, pois sabe-se lá quando e se o encontraria novamente. Imaginei um cantor em cada vagão, diariamente, cantando ao vivo a todos os presentes. Imaginei vários deles disputando as ondas sonoras e os trocados no mesmo lugar. Imaginei que, apesar de nenhuma lei vetar o que ninguém havia imaginado até então, os funcionários do metrô possivelmente o proibirão de cantar. Olhei ao meu redor e notei que a novidade foi bem aceita. Que ao contrário da realidade de todos os dias, quando nos ignoramos apesar de sentados ora bem ao lado de outros desconhecidos, ora bem em frente aos seus rostos, desta vez compartilhamos um momento coletivo.

Jabaquara. Um rapaz de camisa e calça social lamenta: “Amanhã vou sair mais tarde do trabalho, acho que você não vai estar”. Ele, animado, responde: “O certo era eu fazer mais uma viagem, mas com essa chuva, eu vou pra casa. Se ela me pega, meu violão está sem capa”, e emenda: “Alguém tem um cigarro? Esse vício ainda me mata...”.